“Você já experimentou da pinga de Ponte Nova?”
“Não, mas as Januária são as melhores.”
O diálogo, hipotético, sempre existiu entre os denominados cachaceiros profissionais e amadores, evidenciando a tradição Mineira de melhor produtora de aguardente da cana do país. Agora, quando o produtor dessa bebida deixa de ser marginalizado pelas instituições financeiras e órgãos públicos, depois de pesquisas a trabalhos iniciados pelo Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais (INDI), e a tradicional “pinguinha da roça (mé ou birita)” sai dos bares da periferia e tem lugar de destaque nos restaurantes das grandes cidades, o diálogo acontece como quando se discute sobre o melhor vinho e o melhor whisky. Ou seja, ou mineiro hoje é conhecedor de aguardente de cana de qualidade.
Mas mesmo tendo evoluído nesse aspecto, os mineiros continuam tendo que ingerir a aguardente Paulista, de qualidade inferior. Só nesse ano, Minas terá que importar de São Paulo cerca de 60 milhões de litros de aguardente de cana, o que equivale a 50% do seu consolo. O restante é produzido por mais de 1.500 estabelecimentos, a maioria de menor porte, espalhados pelo interior do Estado. Para se tornar autossuficiente, Minas teria que instalar mais de 400 novos projetos de 1 mil litros por dia. Com isso, o estado continuaria a produzir uma bebida de melhor qualidade, evitaria a evasão de dinheiro e criaria novos empregos diretos e indiretos.
Contraditoriamente, mas por seu produto aceito nas melhores praças nacionais e internacionais, Minas exporta sua famosa entre “caninhas.”
As pesquisas iniciadas pelo INDI em 1983 e os trabalhos já desenvolvidos conseguiram repercutir na duplicação da produção mineira nesses quatro anos, como informa o superintendente de agroindústria do órgão, José Carlos Gomes Machado Ribeiro. Quando do início dos trabalhadores, lembra o engenheiro agrônomo, a produção de aguardente mostrou ser a maior número de unidades do setor agroindustrial e que o estado, embora mantendo a tradição de aguardente de qualidade, não conseguia produzir o necessário para seu consumo. Em novembro de 1982, por exemplo, já não produzia o necessário para seu consumo. Essa foi a ” grande surpresa” da pesquisa do INDI. E, em 83, a pesquisa iria constatar que a maior parte da’ ”caninha” consumida no estado provinha de São Paulo – um produto que, dizem os entendidos – feito mais a base da química do que o tradicional fubá Mineiro usado na fermentação. Tanto é que em São Paulo leva-se apenas 12 horas para fermentar, enquanto em Minas a fermentação da aguardente demora, em média, o dobro do tempo, o que oferece melhor qualidade, além dos alambiques e depósitos da bebida. E nesse mesmo ano, constatou-se que a cachaça – bebida quatrocentenaria – introduzida pelos escravos – não era servida em restaurante.
A mudança do perfil de consumo se deu em função das crises econômicas. No início apenas 30% da população urbana bebia pinga, enquanto no interior o número de consumidores ia a 70%. Expulsos de suas terras, sem trabalho digno ou em busca de melhores dias, os interioranos mudaram esse perfil. Hoje, 70% dos consumidores estão nas grandes cidades e apenas 30% na ” roça”. Essa mudança se deu em menos de duas décadas, mas com os novos ”cidadinos” passando a consumir a bebida de pior qualidade, feita à base de melaço e não de melado como os engenhos antigos.
Novo Mercado
A cachaça, até então considerada mais subprodutos da produção de açúcar, depois do álcool, começa então uma tomar espaços. São abertas em Belo Horizonte em lojas especializadas (A primeira foi Armazém da Cachaça) e os empresários, por iniciativa do INDI e do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) , começam a se diversificar e apresentar melhor nível cultural. A partir daí a luta pelo mercado, de forma a contrastar a qualidade a quantidade (em São Paulo produz-se em média 60 a 150 mil litros da aguardente por dia, deterioram a qualidade).
Pelo projeto do INDI, as novas instalações mineiras devem produzir no máximo até 3 mil litros por dia, de forma a preservar a qualidade não prejudicar a saúde excessivamente.
Estudos do INDI mostram que a aguardente de cana melhora a sua posição no mercado de bebidas alcoólicas. Afinal é mais barata, tanto é que ao ser exportada para outros países começam a concorrer com outras bebidas do setor em melhores condições. O maior importador é o Paraguai, mas na Europa e no próprio Estados Unidos, a consomem com a certeza de estar substituindo outras bebidas por um similar de bom sabor.
O Brasil enfrenta hoje, diz Machado Ribeiro, um problema de não ter evoluído na tecnologia da produção de aguardente do melhor tipo de cana para o produto final. Afinal, sempre marginalizada e tratada como dejeto ou subproduto, a pinga não poderia ter pior sorte. Mas o país continua a produzir a bebida, e em Minas, sobressaem-se, as regiões do Norte da Zona da Mata, sendo a última maior produtora, mesmo tendo produtor de pagar por tonelada de cana-de-açúcar o correspondente a 40% do valor do rendimento da bebida. Além de adotar uma tecnologia pouco recomendada, o fabricante sabe que o apoio institucional é insatisfatório. A tecnologia do setor evoluiu para produção do álcool, mas não da aguardente. Preocupou-se é verdade, com o aumento da produtividade e não da qualidade.
Minas, segundo Machado Ribeiro, não está querendo concorrer com São Paulo (cujos empresários estão procurando investir em Minas), mas sim em preservar a tradição da boa produtora de cachaça.
Uma boa pinga, segundo Ministério da Agricultura, teria de ter graduação alcoólica de 38 graus a 54 graus Gay Lussac e a 20 graus Celsius, mantendo uma qualidade de impureza de voláteis ” não álcool” em torno de 0,200 milésimos de grama a 0,650 milésimo por cem mililitros de álcool.
Minas Gerais com consumo de 120 milhões de litros anuais (quase que um por brasileiro e mais de dez por Mineiro) sabe que a rentabilidade do patrimônio do subsetor de aguardente é superior ao atingido por cerveja, vinho e outras bebidas alcoólicas. E é um produto de fácil aceitação no mercado internacional a preços inferiores de outros destilados.
Futuro
José Carlos Gomes Machado Ribeiro, há anos pesquisando esse setor, entende que as iniciativas futuras poderão melhorar a situação atual. Uma seria a criação de associações comerciais de produtores de aguardente (mesmos moldes da Cooperativa dos Produtores de Aguardente de Cana e Álcool do Estado de São Paulo – Copacesp), que teria por objetivo congregar produtores, estimular as assistências técnicas e jurídicas, incentivar a produção, atestar a qualidade através de análises químicas e organolépticas, fornecendo o selo de qualidade, além de promover os esforços na busca de mercados novos. Surgiria, então, nova profissão de provador de cachaça, como existe do café, do vinho.
Mas a grande saída para ampliar a produção mineira, dentro de padrões que mantém a tradição de qualidade, é uma ação conjugada de produção de cachaça, boi e adubo orgânico.
Para se ter uma ideia, se o projeto se tornar programa do governo Mineiro e gerar instalações de 400 novas unidades industriais, haveria o confinamento de 60 mil bois (300 mil toneladas de carne que, preço de hoje, em torno de Cz$ 110 milhões), além da produção de adubos orgânicos. Considerando que os paulistas colocam a sua aguardente em Minas a preço de Cz$ 6, l00 por litro, se Minas se tornar autossuficiente, representará uma economia de, a preços atuais Cz$ 360 milhões, sem evasão de tributos, como Imposto sobre a Comercialização de Mercadoria (ICMS)
” Você Já experimentou pinga de Minas Gerais? ”
” Sim. Sem dúvida, as da melhor qualidade”.
Diário do Comércio
Hudson Brandão
22-08-87